quarta-feira, julho 27, 2011

Prazeres

Ana Paula entrou de rompante na sala.
- Vou sair – disse num tom nervoso.
Quando João levantou os olhos da sua revista só teve tempo de sentir o perfume no ar.
Ana Paula andava mais ansiosa que o normal, João não sabia se era do novo projecto que a mulher estava a desenvolver na faculdade ou se eram resquícios do seu temperamento ido.
O carro arrancou depressa, João ouviu-o partir já com a música a tocar. Ana Paula não vivia sem música.
O fim do dia chegava ameno sentia-se no ar uma brisa fresca. Ana Paula adorava conduzir entre o verde da sua nova terra. Tomava-a como sua nova terra porque era dele, pois ela não tinha terra, ela não tinha casa. Ela sentia -se em casa no coração dos homens que já tinha amado. Ela vivia nos sorrisos que já tinha provocado nos outros.
Tinha cortado o cabelo ainda levava a mão ao pescoço nervosamente e sentia--o limpo, fazia muitos anos que não o usava assim. Conduzia depressa, pensativa, ansiosa, não sabia bem o que iria fazer ou porque o fazia. A inconstância do passado assolava-a.
Chegou, entrou devagarinho na estrada secundária, estava perto de Coimbra.
Quarenta e cinco segundos, tudo era questionado, o tempo necessário até atingir a entrada da casa. Encontra um porteiro que abandona o posto de vigia em direcção ao seu carro.
- Boa tarde – disse ele com um olhar curioso deslizando os olhos pelo interior do carro de Ana Paula.
- Ana Paula Alfaro venho falar com o Dr. Fernando Scoot.- respondeu Ana
O Segurança abriu lhe a cancela sorrindo.
A estrada de terra batida cheia de pedrinha pequenina que levava até à mansão era ladeada por árvores altíssimas que se abraçavam no céu.
Uma casa senhorial , azulejo na frontaria, tons azuis Vista Alegre.
Estaciona o carro junto à entrada, ainda ficou dentro do carro a respirar fundo, sentia-se fora de si. Abriu a porta estava um calor sufocante naquela zona, sobe a correr os degraus tocando à campainha, alguém abre a porta.
-Boa tarde Ana Paula – o som vem por detrás - ainda bem que vieste.
Era Fernando, voz quente, perfume agradável, Ana não se voltava. Afinal não o conhecia sequer.
- Teve que ser, chamaste… - respondeu Ana – respirava pausadamente sentido o ar quente misturado com o perfume de Fernando entrando suavemente pelas narinas. Respirava paz, respirava absolutamente Nirvana.
Sempre que estamos apaixonados pensamos que é desta vez, que o céu vai ficar mais azul que as moléculas não se irão quebrar. Que toda a lógica ficará ilógica. Que tudo se resume a um episodio do “Berlin Affair” e que a ciência da vida é viver com a concentração hormonal que temos com 18 aos 40 anos.
Mas afinal quatro anos passados desde o primeiro dia que tinham conversado ao telefone, uma tarde de domingo, uma dor de cabeça enorme, um amigo que cresceu ao seu lado. Ela agora com 44, ele com 46, parecia que tinha sido ontem que tinham falado do gosto por aprender. Quatro anos de partilhas de uma amizade profunda e difícil de explicar. Solitários sensíveis, ela agora casada, ele agora livre, disponível. Na altura ela meio disponível, ele absolutamente embebido numa viagem necessária de conhecimento e reconhecimento de si mesmo.

1 comentário:

P. Miranda disse...

Quando penso o que passei
Fronteiras de solidão
Tinha prá dar e não dei
Olhei para mim e pensei
Não tenho nada na mão

Tive o tempo e não senti
Tive amores e não amei
Os amigos que perdi
E as loucuras que vivi
São tantas que já não sei


Quem eu era...
quem sou eu e quem pareço
Se alguém hoje me espera,
com certeza que mereço!

Mereço ainda, Amor, tua presença
Para enfrentar a vida,
com a ternura dos quarenta

Merecemos... anda...

(Letra roubada ao Paco)